Henrique Cayatte • Founding and Managing Partner S+A Concept Design
“Para ver as coisas com clareza, precisamos de cruzar uma fronteira”
Salman Rushdie
Escritor
Enquanto na geografia política, religiosa, científica, desportiva, e outras, se carrega a traço forte a fronteira, a diferença, entre o Design e a Arquitetura tende-se a procurar as afinidades e a esbater as divergências.
Isso deve-se a formações não tão diferentes como antes, a filosofias de projeto cada vez mais consensuais, tecnologias quase comuns e encomendas que apelam à colaboração e não à dissensão.
Designers e arquitetos tendem a não estar um contra o outro, mas em equipas multidisciplinares. Somando e não dividindo.
Falamos do “ar do tempo” em que o nosso olhar se assemelha cada vez mais – não sendo igual –, o cruzamento intensivo nos média, de muita informação e de cada mais conhecimento. Os gostos não se afastam assim tanto sendo o grande problema a quase incapacidade de se poder ter a percepção e a atenção devidas a tudo o que nos rodeia, nos cerca e nos interpela. Muito passa-nos ao lado impedindo uma leitura pausada que nos permita aprender, cruzar e ter a disponibilidade mental para tentar novas criações. Os “grandes modelos” de referência, e as suas obras, são cada vez em menor número, mais diversificados e temos recorrentemente uma maior dificuldade em detectar o trabalho de autor. Dos jovens aos menos jovens. O que não sendo necessariamente mau nos obriga a um esforço suplementar na percepção e na captação desses contributos. Ficam as grandes influências embora a desatenção por causa da fragmentação e a hipnose do ruído, da luz, do movimento e da velocidade ganhem infelizmente vantagem.
Nunca como hoje houve tanta comunicação, mas também tanta solidão.
Falemos então do design.
Nunca como hoje assistimos, no nosso país, à utilização da palavra design.
Isto 50 anos certos sobre os primeiros cursos de design em Lisboa. Daí para cá tudo mudou e os cursos também. Em quantidade e em qualidade.
De um quase total desconhecimento, o termo é hoje usado e abusado. Usa-se design por tudo e por nada. A propósito e a despropósito. Bem e mal.
Agora tudo tem design ou muito design! Vivamos então com isso deixando que o tempo e a sua usura intervenham e ajudem a uma melhor compreensão. Os arquitetos, honra lhes seja feita, integraram bem esta nova realidade de pouco mais de cento e cinquenta anos – data da revolução industrial e do arranque do design como alternativa aos arts & crafts – e a sua correspondente terminologia. Vemos, tanto arquitetos como designers, coabitarem nos projetos sem choques significativos construindo estratégias e propostas complementares. As fronteiras destas duas disciplinas apelam a um abraço em vez de virarem as costas uns aos outros. Neste centenário da Bauhaus – experiência seminal – as artes plásticas, a Arquitetura e os designs ganharam textura, gravitas e afirmaram-se influenciando decisivamente outras escolas e modelos de pensamento. Dos seus herdeiros a experiência mais consistente terá sido a escola de Ulm dirigida por Max Bill, herdeiro do legado de Walter Gropius.
Arquitetura e design são disciplinas de rigor e de projeto que “vestem” e ajudam a desenvolver programas mais ou menos definidos. Falam quase a mesma linguagem, o desenho é quase como o “esperanto” – universal – e mostram as ideias de acordo com quase os mesmos princípios de representação.
Quase. Primos portanto que não irmãos.
O design de equipamento, ou produto, e o design de comunicação e multimédia, na sua ligação à arquitetura trabalham propostas complementares que umas vezes antecipam – casos dos desenhos 3D – e outras vezes vão até ao interior design vestindo, por dentro, espaços que são oferecidos pelo projeto de Arquitetura.
O risco que hoje se corre prende-se com o “afogamento” nos vários estereótipos já que as representações gráficas são, muitas vezes, mais do mesmo obrigando todos a uma permanente reinvenção para não serem engolidos por essa velocidade que tudo devora.
Como em tudo na vida, teremos que aprender estudando, cruzando saberes, trabalhando e tendo uma permanente disponibilidade e abertura para as propostas do “outro”. Só assim se avança e se inova. A dificuldade está na brutal fragmentação e diversidade das fontes que começa por assustar e, diria, paralisar os estudantes de desta disciplina. Falta aprender a aprender. Como estudar, como pesquisar e selecionar o que nos chega ou o que encontramos? Como dar um progressivo espaço para a criação que venha rematar o estudo e oferecer propostas.
Há umas décadas os alunos das disciplinas ditas artísticas conviviam na universidade.
Mostravam os seus trabalhos – teóricos ou práticos – e com isso cresciam. Hoje quase não se falam e esta prática compromete indelevelmente o futuro.
É preciso redesenhar fronteiras – apagá-las se necessário for – saltá-las e cruzarmo-nos com os nossos vizinhos que estão mesmo aqui ao lado ou nos antípodas.
Sem medo e com ousadia.
A história foi feita assim. Micro ou grandes narrativas que tiveram o condão de aproximar e não afastar. Não faz sentido num início de século tão bem apetrechado tecnologicamente, haver um “fechamento” e um isolamento que é inaceitável.
Os que vierem a seguir nunca irão compreender.