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Design depois do Covid-19

Por Henrique Cayatte, Fundador e Managing Partner S+A Concept Design

Nunca é avisado fazer previsões.

Durante muitos anos houve a “tentação” de se produzir soundbytes sobre o que poderia ser o futuro.

Em todas as áreas. Da religião ao desporto, da nossa vida à vida dos outros ou da política às profissões.

Normalmente – quase sempre – com muito fracos resultados.

Depois, o discurso científico foi avançando resultados em torno do conceito “prospectiva”.

Não confundir com perspectiva – do desenho, da pintura e da arquitectura por exemplo – que é o erro mais frequente.

A prospectiva visa simular o futuro através do tratamento de dados que temos ou percebemos hoje.

Lida com tendências, informação e conhecimento e, sobretudo, com muita fé nesses estudos.

Usa-se muito para se tentar perceber os mercados com o objectivo de se atingir objectivos ou ainda bater a concorrência.

Diríamos que é uma das ferramentas do benchmarking.

Já vi, não poucas, apresentações e aulas em que a prospectiva nos é apresentada como uma verdade absoluta.

E o mais extraordinário é que as pessoas querem acreditar como se adivinhar o futuro fosse um dom ao alcance de poucos.

Olhemos um pouco para trás antes de falarmos, depois, do futuro.

Como o tempo ajuda a limpar a memória, trago para 2020 uma frase de 1943 – em plena segunda guerra – produzida pelo então presidente da muito poderosa IBM que nesse tempo era o alfa e o ómega da computação mundial.

Nessa altura o professor Touring e uma grande equipa estava a inventar a máquina “Enigma”, em Inglaterra entre Oxford e Cambrige em Bletchley Park, que visava quebrar os códigos das transmissões dos U-Boat que operavam no Atlântico norte.

O princípio dos computadores.

Dizia o Sr. Thomas Watson: “Creio haver no mundo um mercado para, talvez, cinco computadores”.

Não é extraordinário? Imagino as legiões de seguidores a replicarem esta “boutade” sem qualquer pensamento crítico.

Se era dito pelo chefe da IBM então era uma previsão segura com certeza. Viu-se.

Ainda muita gente se estava a rir, quando, em 1977, Ken Olsen fundador da Digital, arremessa urbi et orbi com outra “pérola”:

“Não há razão para alguém queira vir a ter um computador na sua casa”.

Como é que dois super especialistas se atiram da ribanceira abaixo e arriscam a credibilidade deles e das suas mega empresas desta forma tão imprudente? Alguém ganhou com isso?

Depois, temos ainda – não resisto – os (as) cartomantes e derivados, que ganham a vida “adivinhando” o futuro.

Lembro-me de estar no átrio de um grande edifício à espera de um elevador, vindo, cheio, de um dos parques das caves.

À minha frente, uma conhecida cartomante televisiva eleva a voz e pergunta: o elevador vai para cima?

Atrás de mim, muito rápido, alguém lança bem alto para toda a gente ouvir: então não és tu que adivinhas o futuro?

Imagina-se a reacção dos presentes.

É por isso que não é avisado tentar uma previsão sobre como será o design depois desta pandemia mundial do coronavírus.

Podemos, com a informação disponível, saber que algo vai mudar. Mas o quê?

O design, nascido com a revolução industrial em Inglaterra há duzentos e poucos anos, foi protagonista de uma das mais extraordinárias transformações. No ensino, na investigação, na prática, nos processos e na sua percepção pela comunidade em geral.

Claro que subsistem equívocos – é normal – que, por exemplo, colam a arte à pele do design retirando-lhe, procurando retirar-lhe, o empenho directo e por processos industriais na transformação da vida das pessoas. E uma dessas transformações foi ter estado, e estar, na linha da frente da utilização das novas tecnologias. Foi assim com o desenho assistido pelo computador que, depois, se ligou muitas vezes à produção (CAD/CAM), a criação de novos suportes de informação e da transformação desta em ubíqua, sintética e lacónica. Com óbvias perdas sempre que o progresso avança veloz.

A perda da capacidade de se desenhar, por exemplo, porque o “computador faz”. Ou não se ler porque o Wikipédia tem…

Haverá hoje poucos designers no mundo que não trabalhem imersos no cada vez mais complexo mundo das “novas tecnologias” que já não são tão novas como isso. Todos os dias vemos novos desenvolvimentos e não são necessariamente todos bons.

Um clássico.

Vamos continuar a assistir a um isolamento progressivo das pessoas, ao trabalhar com auscultadores isolados da equipa, ao teletrabalho, ao desenvolvimento da realidade aumentada, ao trabalho “round the clock” e a uma inevitável e continuada desmaterialização a que já assistimos hoje. Cada vez mais “afastamento social” como na pandemia. Menos convivialidade e menos troca de experiências que nos enriqueceria a todos.

Portanto, nada de especialmente novo.

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