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As cidades não são meramente um conjunto de edifícios, ruas e praças, nem simples cenários onde se desenrola a vida humana. São organismos vivos, dotados de respiração e pulsação próprias, que crescem, transformam-se, adormecem e renascem, guardando histórias sobrepostas, como pergaminhos reescritos ao longo do tempo. Um verdadeiro palimpsesto urbano, onde cada camada não apaga por completo a anterior, mas convive com ela, revelando vestígios de épocas passadas, ecos de decisões políticas e culturais, cicatrizes de catástrofes e visões de futuro. O urbanismo transcende a técnica e o planeamento: é memória, é narrativa, é imaginação.
A intuição de que a urbe possui uma alma própria, um destino quase literário, encontra uma das suas expressões mais intensas na banda desenhada belga As Cidades Obscuras, criada nos anos 1980 por François Schuiten, arquiteto de formação e ilustrador, e Benoît Peeters, escritor e teórico da narrativa visual. A série transporta-nos para um universo paralelo, em que cada cidade é uma entidade singular, uma personagem com identidade e carácter. Não são meros cenários: são protagonistas. Cada cidade comunica através da sua forma, do estilo arquitetónico e da organização social. Cada traço de Schuiten e cada palavra de Peeters constroem urbes que não existem no nosso mundo, mas que poderiam existir, convidando-nos a olhar para as nossas próprias cidades com um olhar mais atento, crítico e sensível.
Em Brüsel, por exemplo, Schuiten e Peeters reimaginam Bruxelas como uma cidade em constante conflito entre a herança do art nouveau e a pressão de um modernismo monumental e industrial. É um organismo urbano dividido, que expõe as tensões entre tradição e progresso. Em Urbicande, um dos volumes mais emblemáticos da série, uma estrutura geométrica infinita surge misteriosamente e cresce sobre a cidade, atravessando ruas, casas e praças, transformando radicalmente a mobilidade e a vida quotidiana. A rede de Urbicande não é apenas metáfora de tecnologia e expansão: encarna a forma como a arquitetura e o planeamento urbano moldam e condicionam a experiência humana, criando novas possibilidades e novos limites. Noutras cidades do ciclo, como Taxandria ou Samaris, encontramos a crítica à homogeneização, à ilusão de progresso e ao esquecimento da memória. O universo das Cidades Obscuras funciona como um espelho deformado, onde as nossas escolhas urbanas se refletem, amplificadas e expostas na sua fragilidade.
Observando as nossas cidades reais, percebemos a aplicação clara do conceito de palimpsesto. Lisboa constitui um exemplo paradigmático: após o terramoto de 1755, a cidade foi reconstruída sob a direção do Marquês de Pombal e da sua equipa de engenheiros militares. Uma malha regular e racional, inspirada pelos ideais iluministas, sobrepôs-se à cidade medieval sobrevivente. Contudo, essa sobreposição não apagou a Lisboa antiga: a Baixa Pombalina coexiste com as colinas de Alfama, Mouraria e Castelo, estabelecendo um diálogo constante entre ordem e organicidade, planeamento e improviso. Lisboa é, assim, um palimpsesto vivo, onde cada época deixou o seu registo e onde a memória resiste ao esquecimento.
Edimburgo oferece outro exemplo notável: a Old Town, medieval, densa e irregular, com ruas estreitas e becos labirínticos, convive com a New Town, planeada no século XVIII, com avenidas largas e geometria racional inspirada no neoclassicismo. A coexistência destas duas cidades numa só evidencia que o urbanismo não apaga, mas acumula e transforma, num processo de diálogo e conflito permanente.
O palimpsesto manifesta-se também na atmosfera urbana. Gante, com os seus canais, ruas estreitas e praças que favorecem a convivência próxima, demonstra como a escala humana gera uma relação íntima com o espaço. Lisboa, por contraste, oferece no Parque das Nações, legado da Expo 98, uma experiência distinta: largas avenidas, edifícios contemporâneos, contacto direto com o Tejo e uma sensação de abertura e luminosidade. Cada cidade, tal como nos livros de Schuiten e Peeters, revela múltiplas camadas de experiência e identidade.
Hoje, tal como nas Cidades Obscuras, ensaiamos visões utópicas e distópicas. Alguns projetos parecem emergir diretamente da ficção. O Superkilen, em Copenhaga, concebido pelo BIG Architects em parceria com Topotek 1 e o coletivo Superflex, transformou um bairro multicultural num espaço público vibrante, onde objetos de mais de cinquenta países coexistem, criando uma narrativa urbana global, quase uma cidade dentro da cidade. No Médio Oriente, o projeto The Line, parte da iniciativa NEOM na Arábia Saudita e assinado pelo estúdio Morphosis de Thom Mayne, propõe uma cidade linear com 170 quilómetros, sem automóveis e movida a energias renováveis: um traço geométrico no deserto, utopia ou distopia ainda por confirmar? Do outro lado do Atlântico, Telosa, idealizada pelo empresário Marc Lore e desenhada pelo Bjarke Ingels Group, propõe nascer do nada no deserto norte-americano como uma cidade justa, sustentável e igualitária, onde o urbanismo se confunde com manifesto social.
Outros exemplos multiplicam-se: Stockholm Wood City, promovido pela Atrium Ljungberg, promete ser o maior bairro em madeira maciça do mundo; Unicorn Island, em Chengdu, dos Zaha Hadid Architects, concebida como ecossistema de inovação tecnológica; o Green River Park, no Egito, atravessa a nova capital administrativa com 2.500 hectares de espaços verdes; o monumental New Murabba, em Riade, cujo cubo gigante, o Mukaab, se apresenta como uma cidade dentro da cidade; e ainda os projetos Oxagon e Trojena, também em NEOM, que experimentam novas formas de cidade industrial e turística. Em África, Isimi Lagos, da Landwey, propõe-se como a primeira cidade inteligente nigeriana, aliando natureza, tecnologia e bem-estar. Cada um destes projetos acrescenta novas camadas à imaginação urbanística contemporânea, confrontando-nos com questões éticas, ambientais e sociais que não podem ser ignoradas.
Todavia, nem sempre são os megaprojetos que transformam a vida urbana. Muitas vezes, a mudança opera-se por gestos mínimos, quase invisíveis, mas poderosos: verdadeiros atos de acupuntura urbana. Tal como na medicina tradicional chinesa, em que a pressão em pontos específicos desbloqueia fluxos vitais, pequenas intervenções estratégicas podem regenerar o organismo urbano. Paris ilustra-o com as “florestas urbanas” implantadas pela Câmara Municipal: ilhas de verde que refrescam o ambiente, reduzem a poluição e criam novos pontos de encontro. Em Milão, Stefano Boeri concebeu o Bosco Verticale, dois edifícios residenciais transformados em jardins suspensos, que redefiniram a paisagem da cidade e se tornaram ícones da bioarquitetura mundial. No domínio da investigação, o projeto europeu Flora Robotica propõe a fusão entre plantas e robótica, criando estruturas vivas que crescem, se adaptam e regeneram, ampliando a acupuntura urbana a uma escala biotecnológica.
É nesta tensão entre a grande escala dos palimpsestos e a delicadeza dos pontos de acupuntura que as cidades respiram e se reinventam. Umas vezes com gestos monumentais que redesenham bairros inteiros, outras com intervenções subtis que transformam silenciosamente a experiência quotidiana. O urbanismo, como nas Cidades Obscuras, é simultaneamente memória, experiência e imaginação. Mas as cidades não são apenas criadas por arquitetos e urbanistas. Cada um de nós, nos nossos trajetos diários e na forma como nos relacionamos com o espaço, contribui para a sua narrativa.
Cada praça é um palco onde se representa a história coletiva, cada rua é um fio de memória tecido com passos anónimos, cada edifício é uma personagem secundária numa trama maior. As cidades são livros inacabados, manuscritos reescritos, palimpsestos vivos, onde se inscrevem esperanças e desilusões. Cabe-nos, enquanto arquitetos, urbanistas e cidadãos, continuar a escrever estas narrativas, conscientes de que o verdadeiro desafio não reside apenas em planear ou construir, mas em co-criar lugares funcionais e belos, sustentáveis e humanos, capazes de contar histórias às gerações futuras. Lugares que, como nas páginas da ficção, nunca deixarão de ser cidades vivas.
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